segunda-feira, 24 de junho de 2013

"Eis a catástrofe!" (que pode ser consertada)



Se o gigante fascista acordou agora, que ao menos não queira atropelar quem nunca dormiu (ou que caia no sono profundo de novo e nunca mais acorde)
24/06/2013

Por Camila Petroni e Débora Lessa
A semana dos dias 17 a 21 de junho, foi bastante confusa no que diz respeito às manifestações populares Brasil afora. Apesar da quantidade de pessoas que têm ido às ruas em várias cidades do país, dos rumos que essas manifestações têm tomado em cada cidade (cada qual com suas particularidades e com alguns pontos comuns em todas) e das conquistas em relação ao preço da passagem de transportes públicos em algumas delas, nossos comentários se limitarão aos atos em São Paulo, sobretudo pela questão da proximidade real, uma vez que nós duas moramos aqui.
O Movimento Passe Livre teve alcançado o objetivo da reivindicação que moveu primordialmente os atos recentes: em São Paulo, no dia 16/6, Haddad e Alckmin anunciaram a redução dos valores das passagens, voltando de R$ 3,20 para R$ 3,00. A luta poderia não acabar aí, sabemos que esse foi o primeiro passo para que consigamos mudar outras tantas questões. Na verdade, a luta não acabou, mas sementinhas que poderiam crescer e rachá-la, se tornaram árvores (quase gigantes).
A conversa pra gigante acordar, sobre a não presença de partidos políticos nas manifestações, é presente desde o início delas (com a viralização dos atos, na semana retrasada com a ação truculenta da polícia e com o posterior “apoio” da “grande” mídia).
Nas redes sociais, via-se à beça comentários ofensivos nas páginas do atos, pedindo que os partidários enfiassem suas bandeiras aqui e acolá. Ao mesmo tempo, as manifestações nas ruas foram tornando-se carnavalescas e com cara de comemoração de final e Copa com o Brasil campeão, em vários sentidos, desde a enxurrada de verde e amarelo que tomara conta dos acontecimentos até as músicas alegres tocando de fundo e sorrisos felizes nos tantos rostos que ocupavam a Avenida Paulista.
É claro que a baixa do preço da tarifa é motivo para comemorar, mas, aproveitando o ensejo de "sede de mudança", a seriedade da luta é mais do que necessária.
Como dissemos em artigo anterior (Os perigos da "pátria amada"), em algumas leituras mal interpretado, o medo dos caminhos que o "gigante acordado" (na verdade, parte dele, uma vez que vários setores da sociedade nunca tiraram um cochilo sequer) pode percorrer, se mantém.
Uma de nós é professora em uma escola do Estado. Como não poderia ser diferente, o assunto mais comentado da semana, em sala de aula, foram as manifestações. As impressões de uma aluna, mais do que um tapa na cara da sociedade, foram essenciais para nos determos à urgência de retomarmos o foco, e reivindicarmos o que realmente interessa: "Professora, achei legal as manifestações, mas eu não posso ir porque depois do trabalho corro para casa... e moro longe de onde estão acontecendo. Sabe, minha patroa está indo aos atos... primeiro foram os filhos, agora ela vai junto. Ela disse que está tudo lindo, que temos que lutar pelos nossos direitos... que quem sustenta o país é a classe média... Aí, eu fiquei me perguntando, se temos que exigir nossos direitos por que ela não assina minha carteira de trabalho (e já tem onze anos que trabalho com ela)?
Não aguentei e perguntei para ela, que me disse que não assina porque teria que descontar do meu salário e só o governo ia lucrar com isso. Sabe, errado... se quer lutar pelos direitos dela, deveria me dar os meus direitos também".
Com o comentário da aluna, a reflexão fica ainda mais intensa: para quê e por quê a Avenida Paulista ficou tomada durante toda a semana? O primeiro ponto que nos fez querer entender um pouco mais os ocorridos foi a falta de foco e o público predominante nelas, composto pela chamada "classe média". A falta de foco é possível verificar pelos cartazes levantados, bem como por enquetes feitas na internet.
Também por opinião da mídia de massa e de seus ideólogos, estudiosos, especialistas, etc, que, definitivamente, não trazem consigo o discurso das classes populares, que, aliás, ajudaram na exaltação geral que pulverizou o(s) movimento(s). Como se não bastasse, o discurso contra as bandeiras de partidos e movimentos sociais tornaram-se prática, e no dia 20 de junho, quinta-feira, a esquerda foi, literalmente, atacada pela direita.
De ameaças verbais, em coro e cusparadas a socos e porradaria, sujeitos de grupos urbanos conservadores e também pessoas não ligadas a esses grupos mas "antivermelhos", entraram em ação, de forma que tanto o próprio MPL, quanto partidários, militantes sociais e simpatizantes tiveram que sair do ato (que comemoraria a baixa dos preços das passagens), assustados.
Dentre as bandeiras rasgadas, estava a da UNEafro. Uma das fotos que mais circularam foi a de um homem, enrolado na bandeira nacional, rasgando a bandeira do PT com os dentes. O gigante está com fome! Enquanto isso, o verde e amarelo ficava mais visível...
Queremos salientar que não há problema em gostar do país, não há problema real, por ora, em se pintar o rosto com determinadas cores, mas a informação é sempre útil, a fim de que possamos perceber em que duros momentos históricos deu-se o uso da bandeira nacional e do lema "Ordem e Progresso" como reforço ideológico (movimentos burgueses, como a Proclamação da República, a Ditadura Militar, dentre outros).
A manifestação pelo descontentamento da postura adotada por partidos hegemônicos é legítima, mas também pode esconder o perigo da intolerância (e da ignorância).
Fazer "pontes históricas" é um tanto delicado, mas, como diria Walter Benjamin, "a verdadeira imagem do passado perpassa, veloz", sobretudo quando vivemos dias como os últimos e nos lembramos de ditos do Ato Institucional nº 2, de 27 de Outubro de 1965: "A Revolução é um movimento que veio da inspiração do povo brasileiro para atender às suas aspirações mais legítimas: erradicar uma situação e um governo que afundava o País na corrupção e na subversão [...] .Art. 18.
Ficam extintos os atuais partidos políticos e cancelados os respectivos registros”. A luta pela não criminalização dos movimentos sociais e partidos de esquerda é histórica e importantíssima, defender o fim deles é um retrocesso sem precedentes.
Segundo Gramsci, “os ‘partidos’ podem se apresentar sob os nomes mais diversos, mesmo sob o nome de antipártido e de ‘negação dos partidos’”. Ta aí o perigo do "antipartidarismo", que pode ser um disfarce da defesa de partidos ultraconservadores, mesmo que ainda não existam (ou não existam mais).
Além do repúdio à esquerda, outro ponto que nos faz arregalarmos os olhos em relação a essa avalanche de acontecimentos ainda sem possibilidade de análise certeira, apenas de leituras sugestivas, é a mudança do tom que veículos da mídia de massa utilizam sobre a conjuntura. Antes, "baderneiros", segundo colocações destes veículos, agora formam o povo que está nas ruas por um Brasil melhor na "festa da democracia", são os "caras pintadas" do XXI.
Esse apoio significou o inchaço de pessoas nas manifestações, de modo que, na quinta-feira, dia 20, mais de um milhão de indivíduos saíram às ruas, pelo Brasil todo.
Uma enquete feita no domingo, dia 23, por um programa de grande audiência, apontou que, para 38% dos entrevistados, o motivo de estarem nas ruas estão ligados ao transporte público (apenas 28% se declaram contra o aumento das tarifas). 30% dos manifestantes têm como motivo de manifestação a política (na enquete foi colocado dessa forma genérica) e 24% a corrupção.
Um trecho da pesquisa traz: "Mas quando o Ibope leva em conta não apenas a primeira, mas as três primeiras respostas dadas espontaneamente pelos manifestantes, o transporte cai para o segundo lugar.  A política aparece em primeiro, com 65%. A questão política mais citada foi a corrupção, apontada por quase a metade dos manifestantes como motivo para protestar. A soma dá mais de 100% porque o mesmo entrevistado podia apontar três motivos".
Sempre há um jeito de direcionar a pesquisa... As manifestações cresceram, e, junto com elas, a perda de unidade.
Por falar em política, boa parte da massa manifestante é considerada "neutra", o que podesignificar que, em algum momento, tomem certa posição definida. Há algo novo no ar, inegavelmente, que pode gerar um quadro bom ou ruim para os que defendem, acima de tudo, a liberdade. Que os ventos fascistas, fortes, não atinjam as áreas imparciais...
Portanto, no momento, a união se faz necessária, sendo a pauta principal a liberdade de manifestação aos setores libertários (quem imaginaria que um dia estaríamos lutando por isso novamente), tendo outras motivações como "Tarifa Zero" e "Desmilitarização da Polícia".
Para isso, diversos atos e levantes anticonsevadorismo estão sendo organizados, sobretudo nas periferias paulistanas. Se o gigante fascista acordou agora, que ao menos não queira atropelar quem nunca dormiu (ou que caia no sono profundo de novo e nunca mais acorde).
Camila Petroni é historiadora pela PUC-SP, Assistente Editorial e mestranda em História Social pela PUC-SP.  
Débora Lessa é socióloga pela PUC-SP, Professora de Sociologia e mestranda em Ciência Política pela PUC-SP.